PAPO NA CONFRARIA: EDY LEOPOLDO TREMEL(*)
1.
O
que te motivou a escrever?
Uma
espécie de compulsão levou-me a dar o impulso inicial, quando escrevi meu
primeiro livro de contos “A Hospedaria”. Fui bafejado mais pela inspiração do
que propriamente por uma necessidade natural de escrever. O assunto fluía mais
nos momentos de repouso, e eis que lá estava eu munindo-me de caneta e papel
para manifestar meus devaneios, o que sobremodo se transformou simplesmente
numa agradável necessidade.
2.
Cite
os três livros ( e respectivos autores) mais significativos em tua vida.
“A
Importância de Viver” de LinYutang
“O
homem Medíocre” de José Ingenieros.
3.
Com
se dá o processo da escrita em tua prática cotidiana?
O cabedal de conhecimentos adquiridos durante
minha existência tem me proporcionado os elementos necessários ao
desenvolvimento de meu trabalho literário, porém, se não sou movido pela
emoção, pelos sentimentos e pelo prazer de escrever, o que escrevo torna-se
estéril, desprovido da carga emotivatão necessária e que dá vida à obra
literária.
4.
Fale
sobre o apoio dispensado pelos setores público e privado à literatura.
Não
posso afirmar que haja o apoio tão desejado pelo escritor, é uma ponte que
ainda não foi concluída e que aproximaria a cultura do setor público. Trata-se
de um velho e, pelo histórico, difícil relacionamento. Apesar de ser prioritária
para o desenvolvimento sociocultural, está longe de ser estabelecida de modo
definitivo.
5.
Fale
sobre o papel da Academia de Letras em relação à Língua e à Literatura?
A
Academia de Letras tem a importante função de preservar o bom vernáculo e colocar
à disposição do público a sua obra bibliográfica com a qualidade necessária e
austeridade para que faça por merecer o
respeito e a admiração no meio cultural literário.
(*)
O escritor Edy Leopoldo Tremel ocupa a Cadeira nº. O1 da Academia Catarinense de
Letras
x-x-x-x-x-x-x-x-x-x-x-x-x-x-x-x-x
NATAL NA CONFRARIA
Outro Natal
que chega
outro Natal
que vai
homens
confraternizam
mulheres
rezam e compram.
Esquecem por
instantes
as chagas do
mundo
as dores do
século;
dividem por um
momento
as migalhas
do pão
as xepas da
fuga.
Ufa, o
pesadelo Maia se foi!
Outros natais
viveremos
Outros natais
passarão.
E em nós
ainda, o agridoce sabor
de esperança,
de promessa, de saudade.
(Pinheiro
Neto, Natal, 2012)
x-x-x-x-x-x-x-x-x-x-x-x-x-x-x-x
SONHOS
ANTIGOS
Este
é o primeiro romance de Basilina Pereira. Poeta e contista integrante do
movimento e da Associação Cultural Poemas à Flor da Pele, é uma escritora que
vem deixando sua marca indelével por onde passa. Seus trabalhos sempre densos e
contagiantes, nos trazem paz e tranqüilidade.
Este
romance conta a história de uma menina do interior, cuja infância solitária na
fazenda, de repente, é transformada completamente: seu pai resolve levá-la para
estudar num colégio interno. Ao ver-se arrancada da segurança do lar, a
protagonista tem de enfrentar um mundo desconhecido, cheio de regras e
tradições bem rígidas que lhe causam grandes conflitos e lhe provocam
sentimentos até então desconhecidos. Fatos interessantes e grandes emoções se
alternam e acompanham a narrativa até o seu desfecho.
Basilina
nasceu em Ituiutaba-MG, mas reside em Brasília desde 1983. É professora
aposentada, advogada, poeta e escritora. Tem 3 filhas e 3 netos e, embora a
Literatura sempre tinha feito parte de sua vida, só em 2006 voltou a escrever,
após aposentar-se do Magistério. Desde então, divulga seus poemas em espaços
virtuais, onde já obteve êxito em vários concursos.Em sua recente jornada
literária já publicou 3 livros de poesia e outros 9 do mesmo gênero esperam a
vez de sair das sombras. Também participou de 14 coletâneas. Sonhos Antigos é
seu primeiro romance que brotou no imaginário da autora, enquanto algum poema
dormia.
Faz
parte da Academia Feminina Espírito-Santense de Letras; é membro da Academia
Momento Lítero-Cultural, cadeira 19; membro correspondente da Academia
Rio-Grandina de Letras e da Academia de Letras e Artes Buziana.
x-x-x-x-x-x-x-x-x-x-x-x-x-x-x-x-x
DUAS MENINAS
Flávio
José Cardozo
Ele pega o ônibus das
sete e meia, apinhado. Vai pedindo licença, transpõe a roleta do cobrador, anda
mais, ajeita-se. Gosta de ficar assim na frente, sair fácil na hora da chegada
no Terminal, tem umas tantas quadras para andar até poder sentar-se diante de
sua quieta mesinha de escriturário.
Já houve dias
melhores nesse trajeto, hoje ele tem o sabor de uma viagem forçada. Quando
escapo para um cantinho sem gente e sem barulho ? - vive se perguntando
inutilmente, sabedor que é dos anos de idas e vindas que ainda tem de cumprir.
É homem moço, dos que a gente, olhando na superfície, define como com um vidão
pela frente.
Ele aprendeu a se
distrair na diária travessia examinando os que vão sentados. Estuda rostos,
investiga em quais há sinais de felicidade, em quais há sinais de sofrimento,
exercita a memória guardando-os para ulteriores observações, cria às vezes
passatempos tolos e que logo o cansam, como ver quem tem a boca mais larga, o
nariz mais comprido. Que vida!
Mas hoje a viagem é
outra. Mais dolorosa, mais feliz, quem que sabe? Bem à frente, sentadinha à
janela, vai a menina nunca vista, oito anos, os cabelos claros presos num laço.
Os cabelos também claros, os cabelos também num laço... Procura outras
semelhanças, são vagas as semelhanças além dos cabelos e da idade, e da
pastinha escolar, mas isso já não é pouco.
Por que o rapaz que
está ao lado dela não salta para ele sentar-se e perguntar-lhe o nome,
quais os seus gostos, se vai bem na aula, se a professora é boazinha. E daí ouvir várias vezes a voz que ela tem e
também compará-la. E depois... Sim, depois não se cansar de recomendar-lhe o
maior cuidado ao sair do ônibus e atravessar a rua.
Mas o rapaz não salta
e ele se resigna a contemplar o rostinho que vai, curioso, olhando o mundo
(soubesse ela) cruel que ruge lá fora. Como reagiria se lhe dirigisse a
palavra? As mães, com toda razão, vivem advertindo as crianças para não
conversarem com desconhecidos, com que habilidade teria então de vencer essa barreira,
que palavras ia ter de usar para convencê-la de que não é nenhum homem mau, que
entre os dois há uma certa familiaridade, a linguagem dos mesmos cabelos
claros, dos cabelos claros presos daquele jeito?
Quem se movimenta
para sair não é o rapaz, é a menina. Vai descer no primeiro ponto, é a escola.
- Com licença - diz,
numa vozinha que ele jura ser igual, igual, meu Deus do céu, igual. Ele a deixa
passar e hesita por um segundo entre pegar ou não o assento vago.
Não pega, anda. Anda
e desce atrás - e, na calçada, a acompanha. Ao lado dela, em silêncio,
atravessa a rua agitada, assim que era pra ter sido sempre. Sempre, sempre,
repete, amargo.
Só quando a vê no
pátio, sem perigo, retorna para tomar outro ônibus. De hoje em diante, se
passar a chegar um pouco atrasado no serviço, que mal tem isso na ordem das
coisas? - fica pensando.