quarta-feira, 14 de novembro de 2012

Edição 42




PAPO NA CONFRARIA: COM OLSEN JR.


O que te motivou a escrever?

Num primeiro momento foram as leituras... Mais tarde, aos 13 anos a vontade de escrever as minhas próprias histórias.

Cite os três livros (e respectivos autores) mais significativos em tua vida?

Melhor citar logo os autores: Hans-Christian Andersen (obra em cinco volumes) mesmo considerando que algumas metáforas de suas narrativas (O Patinho Feio, por exemplo) só foram percebidas mais tarde; José Bento Monteiro Lobato (todos os 17 volumes da obra infantil que originou a série “O Sítio do Pica pau Amarelo”) e Karl May (os 30 volumes traduzidos e publicados pela Editora Globo de Porto Alegre) em especial os três primeiros volumes da saga “Winnetou”...

Indique um livro (literatura brasileira) para leitura de: a) alunos do Ensino Fundamental – quinta a oitava séries; b) alunos do Ensino Médio e c) Alunos do Ensino Superior.

Ensino Fundamental, o Monteiro Lobato continua dando o recado, qualquer um dos livros, talvez escolhesse  “Reinações de Narizinho”; no Ensino Médio, Lima Barreto e “Os Bruzundangas”; no Ensino Superior “Abraçado ao meu Rancor”, do amigo João Antônio...  Citei estas obras, mas poderia escolher outras destes mesmos autores.

Como se dá o processo da escrita em tua prática cotidiana?

Primeiro quero dizer que escrevo porque não sei fazer outra coisa. Se for (é) uma necessidade então, o método pode ajudar a sistematizar o trabalho. Sou sartriano, isso significa que não abro mão de um Projeto que é anterior a qualquer outra iniciativa. Após definir o que pretendo, então sim, mãos à obra, trabalho e mais trabalho... Não quer dizer que este “Projeto” inicial não seja alterado, sempre é, mas dentro de uma meta definida antes, isso inclui um começo, meio e fim... Não há “pontas soltas” no que escrevo...

Fale sobre o apoio dispensado pelos setores públicos e privado à literatura.

Falando sério, tenho piedade destes indivíduos (a categoria é sartriana) que se atrelam ao Estado ou qualquer outra espécie de poder para realizar sua arte. Escrevo porque é impossível não fazê-lo e isso independe da ingerência de qualquer instância seja ela pública ou privada. Evidentemente que se houvesse uma política cultural para as letras, o trabalho seria melhor distribuído em decorrência mais conhecido e isso facilitaria...  Nunca é demais acrescentar que uma arte que se submete a qualquer espécie de poder (o econômico é apenas um deles) não vale a tinta que se gasta para falar dela... Em SC bastaria cumprir as Leis que já existem, para citar duas, a “Lei Grando” como ficou conhecida, que estipula a aquisição pelo governo do estado de 300 exemplares das obras de autores (selecionados por uma comissão, a Cocali – Comissão Catarinense do Livro, vinculada à Fundação Catarinense de Cultura) para serem distribuídos nas escolas... Também a exigência (está na Lei) de se fazer um Jornal Cultural (dez edições por ano) e distribuído/encartado no Diário Oficial para todo o estado, deveria ser “O Catarina”, mas não é...

Fale sobre o papel das Academias de Letras em relação à língua e à literatura.

Vamos falar da nossa Academia, a ACL... Vivemos novos tempos, não cabe mais uma Instituição que exista apenas para a satisfação de seus associados em nela ingressar, enriquecer currículos e outras buscas de fruições passageiras... A Academia poderia funcionar como um órgão consultivo para assuntos ligados a sua própria natureza, ou seja, às letras... Sugerindo que se criasse uma disciplina de caráter obrigatório de literatura catarinense para os alunos do Ensino Fundamental, por exemplo... Ou oferecendo as bases para a existência de um Instituto Estadual do Livro, nos moldes que se faz no vizinho estado do Rio Grande do Sul, para se pensar o livro, as feiras, a publicação, distribuição e fruição do que se produz literariamente aqui em Santa Catarina... Mas para isso precisamos primeiro organizar a Casa para depois fazer sugestões... Não é verdade?

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ALÉM DO FUTURO

Vou te procurar
além do futuro
deslizando entre estrelas
ou em caminhos bifurcais

Se te encontrar e quando
nas estrelas estiveres voando
te falarei desta procura
és a paixão desta loucura

Falaremos das serás que vivemos
das metempsicoses que sofremos
mãos dadas, vagaremos pelos tempos.
Nas surdas asas do vento...

(Vany Campos in Poemas à flor da pele, vol. 5, Ed. Somar, p. 183, 2012)

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UMA CONFRARIA DE TOLOS

Por indicação do amigo Roberto Telles Ferreira  li recentemente “Uma confraria de tolos”, o único romance escrito por  John Kennedy Toole.

Nascido em Nova Orleans em 1937 e falecido em 1969, formou-se em inglês na Columbia University e lecionou no Hunter College e na University of Southwestern Louisiana.

O romance foi escrito no início dos anos 1960, mas Toole não obteve sucesso nas diversas tentativas de publicá-lo. Deprimido, cometeu suicídio. Foi por insistência da mãe, que acreditava no talento do filho, que esse livro alcançou o sucesso merecido. Ganhou o Prêmio Pulitzer de ficção, em 1981.

O livro é apresentado por Walker Percy que, na verdade, resolve relatar como, em 1976, quando era professor em Loyola,  se deu o primeiro contato com os originais do romance.  É muito interessante. Naquela ocasião, conta ele, comecei a receber telefonemas de uma senhora que não conhecia. Ela queria algo absurdo. Não era que tivesse escrito alguns capítulos de um livro e quisesse assistir às minhas aulas. Era que o filho, já falecido, havia escrito um romance no início dos anos 1960 – segundo ela, excelente – e queria que eu o lesse. “Por que deveria lê-lo?”, perguntei. “Porque é um grande romance”, respondeu-me.

Com o passar dos anos, eu havia me tornado muito bom em evitar tarefas indesejáveis. E se havia algo que eu definitivamente não desejava fazer era isto: lidar com a mãe de um romancista morto e, pior de tudo, ter que ler o original do que ela dizia ser um grande romance e que, como logo descobri , consistia em uma cópia a carbono tão borrada que era quase ilegível.

Mas a senhora era persistente e, não sei como, acabou conseguindo chegar ao meu escritório para entregar o volumoso manuscrito,. Não havia mais escapatória, mas ainda me restava a esperança de que ao ler as primeiras páginas, elas fossem tão ruins que, com a consciência tranquila, não me sentiria obrigado a prosseguir a leitura. Em geral é o que faço. Na maioria das vezes, basta o parágrafo inicial. Meu único medo era que este não fosse assim tão ruim, ou fosse suficientemente bom para que eu tivesse que continuar a ler.
Sendo este o caso, continuei lendo. E lendo. Primeiro, decepcionado ao constatar que o romance não era ruim o bastante para ser posto de lado, depois, com certo interesse, com um entusiasmo crescente e, por fim, com incredulidade: não era possível que fosse tão bom! Vou resistir à tentação de dizer o que primeiro me deixou boquiaberto, o que me fez sorrir, soltar uma gargalhada ou balançar a cabeça, maravilhado. É melhor deixar que o próprio leitor descubra.
De qualquer modo, temos aqui Ignatius Reily, sem antecessores em qualquer literatura que eu conheça – tolo extraordinário, um misto do louco Oliver Hardy, do gordo e o magro, do Dom Quixote e do perverso Tomás de Aquino -, profundamente revoltado com toda a Idade Moderna, em seu camisolão de flanela, num quarto de fundos em Nova Orleans, que, entre intensos ataques de flatulência e de arrotos, enche dezenas de cadernos com suas invectivas.
A mãe acredita que ele precisa ir trabalhar. Ele vai, em uma sucessão de empregos. Cada emprego se transforma rapidamente em uma aventura lunática, em um desastre retumbante; e mesmo assim, como um Dom Quixote, cada uma tem a sua lógica misteriosa.

A namorada, Myrna Minkoff, do Bronx, acha que ele precisa de sexo. O que se passa entre Ignatius e Myrna é diferente de todas as histórias de amor que já li.
De forma alguma uma virtude menor do romance de Toole é a recriação das particularidades de Nova Orleans, suas ruelas, os bairros afastados, seu linguajar, os brancos enquanto grupo – e um negro no qual Toole alcançou quase o impossível, um personagem de incrível comicidade no seu desembaraço, sem o menor resquício de estereótipos.

Mas a maior proeza de Toole é o próprio Ignatius Reilly, intelectual, ideólogo, malandro, simplório e glutão, que deveria provocar repulsa no leitor com suas bebedeiras descomunais, seu completo desprezo e sua luta solitária contra todo mundo – Freud, os homossexuais, os heterossexuais, os protestantes e os inúmeros excessos dos tempos modernos. Imaginem um Tomás de Aquino arruinado, transposto para Nova Orleans, de onde parte para uma feroz incursão pelos pântanos até um banheiro masculino em Baton Rouge, onde seu casaco de couro é roubado enquanto ele está absorto em seus avassaladores problemas gastrointestinais. Sua válvula pilórica se contrai periodicamente em protesto pela ausência de “geometria e teologia adequadas” no mundo moderno.

Hesito em utilizar o termo comédia – embora se trate de comédia – porque o resumiria apenas a um livro engraçado, e este romance é muito mais do que isso. Uma farsa retumbante nas dimensões de um Falstaff talvez o definisse melhor – commedia seria um termo mais apropriado.

É também um romance triste. Nunca se sabe ao certo de onde vem a tristeza: se da tragédia implícita por trás da ira gasosa de Ignatius e suas alucinadas aventuras ou da tragédia que perpassa o próprio livro.
A tragédia do livro é a tragédia do autor – seu suicídio em 1969, aos trinta e dois anos. A tragédia está nas obras que ele poderia ter produzido e nos foram negadas para sempre.

É realmente uma pena que John Kennedy Toole não esteja vivo e escrevendo. Mas, já que não está, só nos resta fazer o possível para que esta pantagruélica e tumultuada tragicomédia humana esteja ao alcance de um mundo de leitores.

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MINIFÚNDIO IV

se guardas a memória
na memória
anterior à palavra
e à história

então entenderás
o arrepio
que te habita
ao rever
a larva da borboleta
sob a folhagem da couve-flor

(Lindolf Bell, Edições Sanfona, Floripa, 1985)



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REGISTRO

1-    Jornal “O Nheçuano” ano 3, número 14, agosto/setembro de 2012, da cidade de Roque Gonzáles, que tem como editor, redator e diagramador o jornalista Marco Marques. Destaque para a reportagem sobre o centenário de Jorge Amado e a seção Autores & Livros sob a responsabilidade impecável de Inês e Nelson Hoffmann.

2-    Boletim do Instituto Histórico e Geográfico de Santa Catarina (nºs. 165, 166 e 167/2012). Destaque para a página 8 sobre Historiadores de Santa Catarina. Francisco José Pereira é homenageado de julho e Iaponan Soares de Araújo de agosto.

3-    De David Gonçalves recebo 4 livretos, cada um com um conto e ilustrações específicas, cuja destinação é para alunos do 5º ao 9º anos escolares. Adorável margarida,A vaca no quarto andar, A mulher barbada e Por seus olhos foram os que recebi. Faltou Sapatos de capim.
São histórias muito interessantes, que receberam um tratamento gráfico   e visual diferenciado, escolhidas a dedo pelo autor e que apresentam um David “mais leve, mais humano”, preocupado em mostrar um lado que parecia guardado até este momento, isto é, o autor preocupado com um tipo específico de leitor: o estudante do ensino fundamental que começa a forjar seu futuro espírito leitor.

4-    De Artêmio Zanon, mais dois livros de poemas: Somos pouco todos nós e Minhas horas cristãs.


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CONFRARIA DO POEMA-pn

A carne sa(n)grando
expõe verso impotente.
Do pulso cortado
jorra poesia:
navalha poética.

Meus versos
passeiam pelo shopping:
inspiram.

Trago meus poemas
na bandeja:
degusta-os!

(Nano poemas III, Pinheiro Neto, Poemas à flor da pele, p. 142, 2012)