sábado, 22 de dezembro de 2012

Edição 43


                        

PAPO NA CONFRARIA: EDY LEOPOLDO TREMEL(*)
       

1.   O que te motivou a escrever?

Uma espécie de compulsão levou-me a dar o impulso inicial, quando escrevi meu primeiro livro de contos “A Hospedaria”. Fui bafejado mais pela inspiração do que propriamente por uma necessidade natural de escrever. O assunto fluía mais nos momentos de repouso, e eis que lá estava eu munindo-me de caneta e papel para manifestar meus devaneios, o que sobremodo se transformou simplesmente numa agradável necessidade.

2.   Cite os três livros ( e respectivos autores) mais significativos em tua vida.

“Os Caçadores de Búfalos” romance de Carl May
“A Importância de Viver” de LinYutang
“O homem Medíocre” de José Ingenieros.

3.   Com se dá o processo da escrita em tua prática cotidiana?

  O cabedal de conhecimentos adquiridos durante minha existência tem me proporcionado os elementos necessários ao desenvolvimento de meu trabalho literário, porém, se não sou movido pela emoção, pelos sentimentos e pelo prazer de escrever, o que escrevo torna-se estéril, desprovido da carga emotivatão necessária e que dá vida à obra literária.
4.   Fale sobre o apoio dispensado pelos setores público e privado à literatura.

Não posso afirmar que haja o apoio tão desejado pelo escritor, é uma ponte que ainda não foi concluída e que aproximaria a cultura do setor público. Trata-se de um velho e, pelo histórico, difícil relacionamento. Apesar de ser prioritária para o desenvolvimento sociocultural, está longe de ser estabelecida de modo definitivo.
5.   Fale sobre o papel da Academia de Letras em relação à Língua e à Literatura?

A Academia de Letras tem a importante função de preservar o bom vernáculo e colocar à disposição do público a sua obra bibliográfica com a qualidade necessária e austeridade  para que faça por merecer o respeito e a admiração no meio cultural literário.

(*) O escritor Edy Leopoldo Tremel ocupa a Cadeira nº. O1 da Academia Catarinense de Letras
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NATAL NA CONFRARIA

Outro Natal que chega
outro Natal que vai
homens confraternizam
mulheres rezam e compram.

Esquecem por instantes
as chagas do mundo
as dores do século;
dividem por um momento
as migalhas do pão
as xepas da fuga.

Ufa, o pesadelo Maia se foi!
Outros natais viveremos
Outros natais passarão.
E em nós ainda, o agridoce sabor
de esperança, de promessa, de saudade.

(Pinheiro Neto, Natal, 2012)




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SONHOS ANTIGOS



Este é o primeiro romance de Basilina Pereira. Poeta e contista integrante do movimento e da Associação Cultural Poemas à Flor da Pele, é uma escritora que vem deixando sua marca indelével por onde passa. Seus trabalhos sempre densos e contagiantes, nos trazem paz e tranqüilidade.
Este romance conta a história de uma menina do interior, cuja infância solitária na fazenda, de repente, é transformada completamente: seu pai resolve levá-la para estudar num colégio interno. Ao ver-se arrancada da segurança do lar, a protagonista tem de enfrentar um mundo desconhecido, cheio de regras e tradições bem rígidas que lhe causam grandes conflitos e lhe provocam sentimentos até então desconhecidos. Fatos interessantes e grandes emoções se alternam e acompanham a narrativa até o seu desfecho.

Basilina nasceu em Ituiutaba-MG, mas reside em Brasília desde 1983. É professora aposentada, advogada, poeta e escritora. Tem 3 filhas e 3 netos e, embora a Literatura sempre tinha feito parte de sua vida, só em 2006 voltou a escrever, após aposentar-se do Magistério. Desde então, divulga seus poemas em espaços virtuais, onde já obteve êxito em vários concursos.Em sua recente jornada literária já publicou 3 livros de poesia e outros 9 do mesmo gênero esperam a vez de sair das sombras. Também participou de 14 coletâneas. Sonhos Antigos é seu primeiro romance que brotou no imaginário da autora, enquanto algum poema dormia.
Faz parte da Academia Feminina Espírito-Santense de Letras; é membro da Academia Momento Lítero-Cultural, cadeira 19; membro correspondente da Academia Rio-Grandina de Letras e da Academia de Letras e Artes Buziana.

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DUAS MENINAS
Flávio José Cardozo

Ele pega o ônibus das sete e meia, apinhado. Vai pedindo licença, transpõe a roleta do cobrador, anda mais, ajeita-se. Gosta de ficar assim na frente, sair fácil na hora da chegada no Terminal, tem umas tantas quadras para andar até poder sentar-se diante de sua quieta mesinha de escriturário.
Já  houve dias melhores nesse trajeto, hoje ele tem o sabor de uma viagem forçada. Quando escapo para um cantinho sem gente e sem barulho ? - vive se perguntando inutilmente, sabedor que é dos anos de idas e vindas que ainda tem de cumprir. É homem moço, dos que a gente, olhando na superfície, define como com um vidão pela frente.
Ele aprendeu a se distrair na diária travessia examinando os que vão sentados. Estuda rostos, investiga em quais há sinais de felicidade, em quais há sinais de sofrimento, exercita a memória guardando-os para ulteriores observações, cria às vezes passatempos tolos e que logo o cansam, como ver quem tem a boca mais larga, o nariz mais comprido. Que vida!
Mas hoje a viagem é outra. Mais dolorosa, mais feliz, quem que sabe? Bem à frente, sentadinha à janela, vai a menina nunca vista, oito anos, os cabelos claros presos num laço. Os cabelos também claros, os cabelos também num laço... Procura outras semelhanças, são vagas as semelhanças além dos cabelos e da idade, e da pastinha escolar, mas isso já  não é pouco.
Por que o rapaz que está  ao lado dela não salta para ele sentar-se e perguntar-lhe o nome, quais os seus gostos, se vai bem na aula, se a professora é boazinha.  E daí ouvir várias vezes a voz que ela tem e também compará-la. E depois... Sim, depois não se cansar de recomendar-lhe o maior cuidado ao sair do ônibus e atravessar a rua.
Mas o rapaz não salta e ele se resigna a contemplar o rostinho que vai, curioso, olhando o mundo (soubesse ela) cruel que ruge lá  fora. Como reagiria se lhe dirigisse a palavra? As mães, com toda razão, vivem advertindo as crianças para não conversarem com desconhecidos, com que habilidade teria então de vencer essa barreira, que palavras ia ter de usar para convencê-la de que não é nenhum homem mau, que entre os dois há  uma certa familiaridade, a linguagem dos mesmos cabelos claros, dos cabelos claros presos daquele jeito?
Quem se movimenta para sair não é o rapaz, é a menina. Vai descer no primeiro ponto, é a escola.
- Com licença - diz, numa vozinha que ele jura ser igual, igual, meu Deus do céu, igual. Ele a deixa passar e hesita por um segundo entre pegar ou não o assento vago.
Não pega, anda. Anda e desce atrás - e, na calçada, a acompanha. Ao lado dela, em silêncio, atravessa a rua agitada, assim que era pra ter sido sempre. Sempre, sempre, repete, amargo.
Só quando a vê no pátio, sem perigo, retorna para tomar outro ônibus. De hoje em diante, se passar a chegar um pouco atrasado no serviço, que mal tem isso na ordem das coisas? - fica pensando.