segunda-feira, 12 de março de 2012

Edição 35 março 2012-1


                       
                                

A  PRIVADA  DA  VÓ  DO  ALEMÃO
                                  Rui Cesar Bittencourt


Barra da Lagoa, em Florianópolis,  é um local bastante interessante. Com
muito de suas características  ainda preservadas, é única.  Comunidade
pesqueira das mais produtivas, abastece o ano inteiro nosso mercado com
tainhas, enchovas e corvinas. Tem personalidade e vida próprias.
Conheço nativos que conseguem passar meses, às  vezes um  ano inteiro sem
sequer ir ao centro... -  não “carece”...lá  tem tudo, dizem eles.  Quando
vão  é para consultar com os “Doutori”...!!!
Com seu vai e vem ininterrupto dos barcos de pesca, linguajar próprio, fruto
de  seu “fechamento cultural”, ali mantém-se  vivo
 o sotaque carregado açoriano-manezes.
Tem “causos” e  personalidades-peças-raras que são hilários.

O Alemão grandão  é um  deles.

Numa dessas sextas-feiras, de passagem por lá, vejo meu  amigo  subindo a
rampa de acesso à  ponte ex-pênsil – que  agora não balança mais -  depois
de reformada e tornada rígida pelo Prefeito  “Daro ”.
Todo compenetrado, carregava umas tábuas nas costas, atravessadas,
incômodas, uma viga, ou barrete, na frente, caminhando com  dificuldade.
- Vais construir o quê Alemão, com esse madeirame todo?  ...perguntei
brincando.
-  Meio encurvado pelo peso, sacana do jeito que é, prontamente   responde:
-  é  pra  reformar a privada da minha  Vó,  relíquia da família, lá em cima
do morro.
Era verdade.

O  cara é uma peça raríssima. Comprido, quase dois metros de altura, de tão
alto e desengonçado, é até um pouco corcunda, seguramente de tanto olhar
para baixo para conversar com as pessoas. Só vendo o tipo, legítima
encarnação do  manézinho típico da Ilha.
Somos amigos há uns bons anos. Para terem uma idéia, eu meço  um metro e
oitenta e para falar com ele tenho que olhar pra cima...!
De sorriso fácil, fala grossa, olhos grandes e “arregalados”, carrega
vários colares no pescoço e pulsos, com bolas grandes e pequenas de madeira,
como adornos e proteção. Entre os colares pendurados um deles ostenta
miçangas coloridas,  azuis e brancas, não meras coincidências, pois
irremediavelmente circula pela Barra quase que com o uniforme completo do
Avaí, fanaticamente seu time do coração. Está sempre vestindo a camiseta
oficial por fora das calças ou  bermuda e  boné azuis, com o símbolo do
Leão.
Faz um misto de “girafa” (pela altura) com pai-de santo-avaiano, pelos
tantos penduricalhos, cores e excentricidade exibidos.

Perguntei como é que ele faz para tomar banho, com
todos aqueles badulaques ?
- Alguns eu tiro, outros não…nuuuunnnnca do pescoço:  - são “muito fortes”,
dizia ele...!!!  Pelo boné já me ofereceram uma grana,  mas nem pensar em
vender.
 “Bafinho” de cana no ar, fechando os olhos enquanto falava,  seu costume,
me explicava que a privada, lá no alto do morro...  - é antiga pra caramba.
 - Foi  lá que minha Vó  “rezou” durante toda sua vida...e a família
inteira, por muitos anos, também lá sentou pra fazer suas “oraçõezinhas” de
manhã cedo....!!!  E ria, com uma baita cara de sem-vergonha.
-  O  neguinho baixava as calças e sentava no trono de madeira, com vista
panorâmica por entre as largas frestas das tábuas, obrando  e  apreciando o
mar distante lá de cima, com aquele ar puro;  um privilégio para  poucos.
– ‘Tá chegando o bote do fulano, saindo o do beltrano... aquele  ‘tá
carregado, afundado pelo peso, o outro não matou nada....

-  Ôhh  Rui, escuta aqui óh – e se inclinava para falar comigo - vou te
confessar uma coisa que poucos sabem: -  muita revista de “mulhé”  pelada eu
levei lá pra trás....e ria o safado..!!!
 - Agora, te digo, com o ventão nordeste de inverno, que pega de frente no
barraco, imagina, chegava a congelar  o rabo do neguinho. Tinha que ser
ligeiro no ato...!!!  Era vapt-vupt e cair fora.
- Rui, Rui, me pegando pelo braço.:  -  a véinha, que Deus a tenha, gemia,
gemia... mas não desistia...!!!.  E  dá-lhe  gargalhadas.
Eu também, nessas alturas.

Mas  agora ‘tá tudo caindo , a tal da privada, coitada. Abandonada, meia
torta, necessita urgentemente  de  reparos, caso contrário vai virar ninho
de cobras, ou despencar  de vez.
 – Arranjei essa madeira ali na casa Mainho, óh,  restos de uma obra.
Agora vou subir  para fazer o serviço...

 Dia desses, era uma quinta-feira,  com seu Avaí aplicando dois a zero sobre
o Palmeiras, líder do campeonato – lá mesmo em São Paulo -, empolgadíssimo
com o resultado, já  “mamado”, olhos vermelhos de tanto “cafezinho”,
gritava,  melhor,dizendo,  urrava -  mais parecendo um berrante com
auto-falante -  para o lado de lá do canal,  fazendo tremer até as árvores.
Botava as mãos em corneta e explodia...  . AVAEEEEEEEEEEEEEEEHHHHH....dava
até um arrepio o vozeirão.

Pobres garças que se recolhiam  num ninhal próximo para o merecido descanso
noturno,  sem entender nada d’aquilo , voavam em disparada, plena onze horas
da noite.

E lá vai o Alemão arrumar a privada da Vó. Longilíneo, tábuas desarranjadas
nas costas,  atravessando lentamente a ponte, bermuda caindo, mostrava
parte da cueca e da bunda branca.
Figuraço..
Tem cada  peça rara  na Barra.

Outro dia conto pra vocês do tio Vâno...


x-x-x-x-x-x-x-x-x-x-x-x-x-x-x


1º FAÇA: filmes selecionados

De 177 inscritos, foram selecionados 31 curtas para concorrer a troféus e a R$ 20 mil reais de premiação em dinheiro no 1º FAÇA - Festival Audiovisual Catarinense, que ocorre em abril em Lages (de 12 a 14), Blumenau (de 19 a 21) e Florianópolis (de 26 a 29). São 17 ficções, 9 documentários e 5 animações disputando os prêmios das quatro categorias, incluindo o Júri Popular.

Florianópolis permanece como o maior polo produtor, mas é importante destacar que pequenos municípios, como Irineópolis e Ilha Redonda tiveram filmes selecionados, além de produções de catarinenses realizadas em São Paulo (SP), Rio de Janeiro (RJ) e Curitiba (PR).

Serão contempladas quatro categorias, cada uma delas com um prêmio de R$ 5.000,00: Melhor Ficção, Melhor Animação, e Melhor Documentário, eleitos pelo Júri Oficial, e o melhor curta eleito pelo Júri Popular. A curadoria foi integrada por Fernando Boppré, Guto Lima e Lucian Chaussard , todos de Santa Catarina e com reconhecida experiência em cinema.

Embora as inscrições estivessem abertas para filmes realizados em qualquer período, mais de 80% dos títulos selecionados foram produzidos nos últimos cinco anos. É importante observar que o número de inscritos demonstra que o Estado produz um curta por semana. Mas das produções inscritas há 19 finalizadas entre janeiro e fevereiro de 2012, o que dá uma média de pelo menos dois curtas por semana feitos no Estado.

FAÇA é uma realização da Exato Segundo Produções Artísticas em parceria com a Alquimídia.org e da Hemisfério Criativo, responsável pela criação da identidade visual. O evento tem o Apoio Institucional da Cinemateca Catarinense/ABD-SC, FUNCINE – Fundo Municipal de Cinema de Florianópolis, SANTACINE – Sindicato da Industria do Audiovisual de Santa Catarina, SINTRACINE – Sindicado dos Trabalhadores do Audiovisual em Santa Catarina, Fundação Catarinense de Cultura (FCC), Cinema do CIC e Museu da Imagem e do Som (MIS/SC).

O Festival conta ainda com o apoio da Vantuta Impressões, SESC Santa Catarina, FURB (Fundação Universidade Regional de  Blumenau) e Fundação Cultural de Blumenau, Prefeitura Municipal de Blumenau e Paradigma Cine Arte. O Governo de Santa Catarina, por meio da Secretaria de Turismo, Cultura e Esporte do Estado (SOL) e FUNCULTURAL, é patrocinador do 1º FAÇA – Festival Audiovisual Catarinense.

Contatos: www.faca.art.br

                                         x-x-x-x-x-x-x-x-x-x-x-x-x-x-x-x

GERAÇÃO VIVA

Nas bancas a 6ª edição de Geração viva, edição de bolso, do escritor catarinense David Gonçalves.
Vejam o que nos diz o autor sobre esse livro: “Escrevi estes contos quando jovem. Em geral, os autores não gostam dos seus primeiros contos. Mas, confesso, estes contos me engrandecem. Eles focalizam os grandes problemas sociais e econômicos do país no século XX, precisamente a década de setenta, com o êxodo rural, onde os trabalhadores rurais foram expulsos dos campos e incharam as periferias das médias e grandes cidades. Relatei, então, as desigualdades sociais de um país rico, com todos os desmandos possíveis, muito mais visíveis hoje. Geração viva é registro de uma situação histórica vivida também no começo do século XXI. É o retrato doloroso e cruel de uma geração de seres massacrados e explorados pelo sistema a que estão subordinados. Quis retratar, não somente a chaga agrícola do Paraná, mas do país. Essa massa de trabalhadores carentes [ os boias-frias, atualmente denominados sem-terras] e mal alimentados, mas seres humanos que, apesar da dura e mísera realidade, ainda têm alento para sonhar e amar. Representa, enfim, uma massa humana que labuta, perambula, sofre e produz. Uma geração viva.”
São dezessete contos forjados através de um realismo chocante mas sempre trabalhado de maneira clara e precisa, comprometida com o social e o humano.
e-mail do autor: david.goncalves@uol.com.br.  


                                     x-x-x-x-x-x-x-x-x-x-x-x-x-x-x-x


CONFRARIA DO POEMA

(HOMENAGEM A FLORIPA - 286 anos)


As curvas da Enseada
desdobram teu todo
em curvas dos olhos
da Ilha dos medos.

As curvas do tempo
encontram nas alvas
no mistério do ventre
escorpiões sem garras.

As curvas da Enseada
vistas por sobre o sonho
te desnudam te orvalham
te fazem Senhora minha
nesta Desterro alcova.



( PN/Enseada, de Minha Senhora do Desterro)