segunda-feira, 7 de julho de 2014

Edição nº. 61







PAPO NA CONFRARIA-pn: VINÍCIUS ALVES



     1 - O que te motivou a escrever?

Lá em casa sempre teve muito livro (o velho é escritor) então foi quase uma consequência. Mas tinha muito quadro também, e não sou de plástico. Desde muito cedo as palavras me impressionaram muito, então não teve jeito.

2        2-    Cite os TRÊS livros (e respectivos autores) mais significativos em tua vida?

Ulisses, James Joyce
Grande sertão: veredas, João Guimarães Rosa
O jogo de amarelinha, Julio Cortázar
Deixa mais um?
Catatau, Paulo Leminski

   3- Indique um livro (Literatura Brasileira) para leitura de:
   a)      Alunos do Ensino Fundamental (5ª a 8ª séries)
   b)      Alunos do Ensino Médio
   c)      Alunos do Ensino Superior


Para a), b) ou c) qualquer livro de Paulo Leminski

4- Como se dá o processo da escrita em tua prática cotidiana?

Não tenho processo. Posso estar lendo um jornal, um livro, escutando música, vendo tv, dormindo inclusive e algo pinta na cabeça: uma letra, uma palavra, uma frase, um treco qualquer que me faz correr pra caneta. Ainda sou desse tempo. Depois vai pro computador já bem diferente. Daí esqueço e às vezes volto pra ver como ficou. Então mexo e remexo. Se gostar, fica. Se não, jogo fora e começa tudo de novo.

4     -  Fale sobre o apoio dispensado pelos setores público e privado à literatura.

Não entendo bulhufas disso, mas não confio muito nem em público nem em privado em se tratando de qualquer tipo de arte.

5     Fale sobre o papel das Academias  de Letras em relação à Língua e à Literatura?

Não confio em nenhuma sociedade que me aceite como sócio. Sou grouxomarxista de carteirinha.


( Vinícius Alves é escritor e editor em Florianópolis/SC.)



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DA SÉRIE “POETAS MULHERES” - 3





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 BICHO ESQUISITO

Sou bicho esquisito.
Tantas vezes, já
perdi o sono,
já perdi
o senso,
já perdi
o rumo.

Sou bicho esquisito.
Tantas vezes, já
afiei o bico,
já mordi a língua,
já troquei o couro.

Sou bicho
sou esquisito,
sou cobra, sou passarinho...
Na verdade,
sou só uma mulher.

(Telma Lúcia Faria/SC, junho 2014)


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METAMORFOSE

Quero sentir em ti
a espontaneidade emergente
das coisas puras e simples,
dos gestos perdidos na incompreensão dos dias.
Ver-te por alguns instantes,
nu do teu eu aprisionador,
do teu condicionamento,
liberto das amarras!
Para guardar-te como recordação perfeita,
na moldura de um quadro
que não se esquece jamais.

(Silvia Amélia /SC./ Poemas no tempo, Edições Sanfona, 1985)



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O QUE IMPORTA

O meu medroso hímen – oh que pena
não teres sido tu que o golpeaste

o que importa porém veio depois
o que importa foram as labaredas
que soubeste atear em meu pudor
       foram aquerlas noites desvairadas
       de carne e de alma conjugadas
       a vararem três lúbricos decênios

o que importa, amor, é este himeneu
- sem os ritos falazes do primeiro –
Que juntos celebramos tu e eu.

(Maura de Senna Pereira/ SC, 1904/1992. Sete poemas de amor, Edições Sanfona, 1985)


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SINGELO

Singelo
são os gestos
e o olhar

As mãos
que tocam
o copo

E vibram
no corpo

Como
as ondas

A dança
do mar

Singelo
são os
gestos

Das gotas
na areia

Do passo
da bruma

Que cobrem
os cabelos

(Indiara Nicoletti Ramos/SC/mimeo/2013)



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Todo mês

sangro.
todo mês
sinto a dor do terceiro filho.
aquele que ainda não pari.
há muito ele finge que vem,
mas é fingimento
que dura o tempo exato da próxima dor
no próximo mês.

(Mariza Lourenço, Face book, 19/06/2014)


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clima tropical
mãos escrevem com medo
sangue no jornal

tropicalismo
sons canções revoluções
papagaismo

Hemisfério Sul
Secasenchentesecas
carcará azul

sem as estações
como vou equilibrar
minhas emoções?

(Silvia Rocha, em Poesias “só pra dar bandeira”, 16/05/84, Oficinas da ‘de Cristofaro & cia. ltda.’, SP)
            


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SANGUE VERDE ─ ROMANCE SEM SIMILAR NA LITERATURA

                                                                                             

            O romance é uma espécie da ficção ou da narrativa que não dita regras rígidas para a sua composição. Entretanto, a maioria gira em torno de núcleos dramáticos limitados e de assuntos mais ou menos distintos, a fim de que a narrativa não se perca em emaranhados e peque por excesso de direções temáticas que dificultem a percepção do leitor. Mesmo romances extensos, tipo Grande sertão: veredas ou A montanha mágica, possuem personagens e assuntos que se desenrolam por toda a narrativa, mesmo que carregada de densidade metafísica. Não é essa, porém, característica de Sangue verde, romance de David Gonçalves, em que a narrativa, além de envolver um elevado número de núcleos dramáticos, não possui poucas personagens sobre que recaia a atenção do narrador, como vemos em Grande sertão: veredas. Em Sangue verde, os inúmeros núcleos dramáticos se devem à complexidade dos problemas abordados, uma vez que, grosso modo, toda a vida brasileira é devassada, pois toda ela está implicada com o sangue verde.

            Ao ambientar-se no cerrado e na Amazônia, o romance aborda problemas típicos dessas regiões, ressaltando o garimpo que, embora já explorado por outros ficcionistas, como Herberto Salles e Eli Brasiliense, apresenta-se inteiramente novo, à medida que o interliga com o desmatamento e a grilagem de terras indígenas. As personagens se multiplicam em consonância com os episódios que as envolvem, exigindo do narrador verdadeira ginástica mental, a fim de que as inter-relações entre eles se mantenham, sem que padeçam de continuidade. Para mais mostrar-se grandioso na arte de narrar, fatos e personagens também se interligam, com a finalidade de não se tornarem estanques. Em decorrência, determinados índices, como a transferência de Padre Miguel, a despeito de ser narrado em capítulos próprios, são entrevistos em diálogo entre o fazendeiro, Bambico, e sua esposa, Clarice, e entre ela e a filha Emanuela.
     
            Dos problemas peculiares às regiões amazônica e de cerrado desprendem-se, como uma espécie de epidemia que se alastra por todo território nacional, todas as mazelas típicas desse tempo, como corrupção, pedofilia, pederastia, tendências religiosas pautadas pela exploração da boa fé do povo, desmandos provenientes das diversas faces dos poderes legislativo, judiciário, executivo. Em decorrência da multiplicidade de aspectos abordados, a técnica narrativa também se desenvolve em células que se multiplicam e se interligam, em uma espécie de teia de aranha, em que os fios carregam a seiva, venosa e venenosa, por toda extensão do narrado. Desse modo, acontecimentos suspeitos, como o assassinato do senador Justino, são retomados, en passant, na eleição de Bambico, sem que o episódio se esclareça, como se fosse apenas uma gota do veneno que viesse à tona, a fim de obrigar o leitor a manter-se ligado ao fio da teia dos fatos. Trata-se, sem dúvida, de uma técnica inusitada de narrar, uma vez que os núcleos dramáticos se interconectam de forma sutil, proveniente de uma relação aparentemente tênue e, às vezes, até ocasional, como ocorre no episódio em que juiz e delegado vão ao quilombo, à procura do assassino do ribeirinho, que se parecia resolvida; mas que reaparece, a fim de mostrar a morosidade e, sobretudo, a ineficiência da justiça, e, notadamente, o fio narrativo, que se mantém ativo.

            A estética do romance, além de centrar-se sobre essa técnica singular de narrar, ainda se erige sobre todas as formas do riso, caminhando desde o sutil humor, que tem sua origem em Stern, e adotado e refinado por Machado de Assis, passando pela ironia, pela sátira, até chegar ao sarcasmo, verificado, por exemplo, na concepção que Rossmac tem dos chamados pesquisadores de gabinete, ou nas esperanças que Bambico deposita em Juquinha como homem e futuro administrador de sua fazenda. Assim, à semelhança do que ocorre na obra de Machado de Assis, tem-se a impressão de que o narrador, ao registrar os acontecimentos nas teias do discurso, está sempre rindo e, às vezes, até gargalhando, do fato narrado, mormente quando se refere ao desmatamento e ao sonho de enriquecimento fácil e, notadamente, quando se relaciona com os poderes legislativo, judiciário e executivo. A sutileza com que desvenda a vida de Justino, após seu assassinato, mediante a presença da Constituição, da Bíblia e de um crucifixo em sua bagagem, torna o relato verdadeiramente cruel, uma vez que a outra bagagem, composta de fotos que comprovam o seu lado depravado, pautado pela pedofilia, demonstra a sua completa devassidão e sua inteira hipocrisia. Quer ironia maior que a descoberta feita por Bambico de que o verdadeiro ouro se encontra em Brasília e, não, nos garimpos, o que o leva a aceitar candidatar-se, sem qualquer experiência política, a senador da república?

            Mas, há uma ironia intrigante, ao falar do judiciário e colocar como personagem o juiz Rodolfo, que, em meio a tantos desmandos e conluios, faz cumprir a lei. O cumprimento da lei, dadas as circunstâncias do espaço em que ele ocorre e, sobretudo, dados os acontecimentos nacionais, pode figurar como uma alegoria de um certo juiz do STF ou como refinada ironia, à medida que todos os fatos relacionados com a violência estampados no romance, inclusive a violência urbana, ocorrida com a família de Doca, deixam entrever que as leis existem apenas no papel e que fazê-las cumprirem-se é, muitas vezes, um suicídio. Esse é, sem dúvida, um dos golpes de mestre desse singular narrador que, inclusive, se duplica, ao ponto de se poder ler e ouvir sua voz conectada à voz de determinadas personagens, como ao narrar os sentimentos de Doca em relação a Matildes, à página 339. 

            Ademais, a narrativa de Sangue verde procede a uma inusitada união entre o real e o imaginário, a fim de que o imaginado se sobreponha à realidade, ou com ela se equilibre, objetivando a instauração do ficcional e do estético, cristalizados mediante o caráter metafísico da linguagem que, por mais próxima que esteja do real, transubstancia-o e converte-o em objeto de imaginário. É exatamente por isso que o narrador não se furta, quando necessário, ao uso de expressões populares, de modo especial as cristalizadas pela cultura, como provérbios e ditados. Esse procedimento visa a mostrar a verdadeira identidade das personagens, em sua maioria voltadas para a matéria, uma vez que pensam apenas o lucro, o enriquecimento ilícito, como se verifica pela exploração do garimpo por parte do Pastor e, nomeadamente, pelo fato de ele espoliar os garimpeiros que bamburram, ou pela verdadeira escravidão instalada por Bambico em sua fazenda.

            Portanto, segundo nossa leitura crítica de Sangue verde, podemos afirmar que se trata de um romance ímpar, que não encontra similar na literatura brasileira, uma vez que encerra, em sua construtura, um momento histórico da vida brasileira que, de outra forma, não seria devidamente cristalizada em linguagem e em discurso ficcional. Além disso, é um romance ímpar, inusitado em nossas letras, pela forma singular de narrar, em que os fios narrativos ramificam-se ao extremo, sem, entretanto, perderem-se no subsolo do discurso narrativo, uma vez que, ao final, todas as pontas se esclarecem, clara ou sutilmente, como o requer uma grande obra de arte narrativa.

            A grandiosidade estética de Sangue verde, todavia, só pode ser sorvida pelo leitor que proceder a uma leitura atenta, que se fará somente pela história ou que a aliará ao lado estético que ela encerra e que, certamente, será responsável pelo imensurável prazer do ler.   

(José Fernandes, doutor em Letras pela UFRJ e membro da Academia Goiana de Letras.)



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                                            (Arte em café de Michele Espíndola/junho/2014)




COMO NASCE UM BOATO (crônica)



Sempre gostei de saber  a origem dos fatos, seja de uma cidade, um bairro, enfim, como nascem as coisas que nos cercam. Acho fascinante o resultado de uma junção de elementos simples que acabam formando um final útil, aproveitável ou, até, romântico. Por outro lado nascem, também,  amontoados de maldade e inveja que podem destruir relacionamentos.

Numa mesa, com algumas cervejas a mais, um grupo de amigos cruzam conversas com os mais controversos assuntos: Copa, brincadeiras picantes, algumas piadas idem e cantorias marcam o clima de camaradagem. Em certo momento, um deles,  em off, inicia comigo um assunto muito delicado, onde insinua o envolvimento amoroso de uma bela mulher ( que nós dois conhecemos)  com um personagem de relativa projeção.

“ Dizem que o Fulano está apaixonado por ela e já está separado da mulher(mentira). Mas ela, a Beltrana, é muito linda e... Aquele tipinho angelical deixa qualquer homem fora de si” (olha o despeito explícito) - e por aí foi comentando sobre os dois ‘amantes’, pedindo minha opinião.

Meu confidente demonstrava, pelas observações que fazia a respeito dos dois supostos adúlteros, que esperava que eu desse uma opinião maldosa, para fortalecer seu trabalho sujo. Sua atuação, no entanto, não foi tão sutil como ele pretendia.

Mesmo seguindo o ditado que aconselha a “não botar a mão no fogo” por ninguém arrisquei queimar as minhas duas... Conheço razoavelmente o casal em questão e não quis alimentar a maldade, que estava quase que explícita. Fui sincera com o melífluo caluniador dizendo-lhe não acreditar e, inclusive, pedindo para que ele dissesse quem levantou o grave fato de adultério.

Sem respostas, obviamente a fofoca morreu no nascedouro, pelo menos no que me envolve, mas se eu souber que houve um comentário sobre esses dois, prometo desmanchar o boato e denunciar o caluniador...



(Ivonita di Concílio/SC, escritora, membro da Academia Desterrense de Letras,  08/06/2014)

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DA SÉRIE “NOSSA LÍNGUA”




SENTAR NA MESA

“Existem várias maneiras de uma pessoa sentar-se (note: sentar-se – o pronome é obrigatório): uns preferem sentar-se na mesa (em cima dela), revelando, assim, falta de educação, de civilidade e de respeito; outros, seres humanos respeitáveis, preferem sentar-se à mesa (junto a ela), para poderem, então, almoçar, jantar, tomar café e, muitas vezes, - por que não? – discutir pactos (desculpe – entendimentos) sociais...

Vamos ler, então, para acostumar olhos e ouvidos:

Quando eu me sentei à mesa, logo de manhã, para tomar café, minha mulher já começou a reclamar.
Quando  nos sentamos à mesa para almoçar, minha mulher continuou a reclamar.
À hora do jantar, quando ela se sentou à mesa, eu me sentei na mesa, em cima da branca toalha, e, resoluto gritei: VIVA A NOVA REPÚBLICA!!! E, então, ela parou de reclamar...

Como se vê, o verbo é mesmo sentar-se, seja em, seja a algum lugar. Houve um dia, porém, que uma excelsa figura ocupa uma cadeia de rádio e televisão e dispara um convite:

Convido os trabalhadores para sentar na mesa, a fim de chegarmos a um entendimento.

Os trabalhadores atenderam ao convite, sentaram-se à mesa e – saíram decepcionados ...

Nunca é demais repetir: gente civilizada, educada, senta-se à mesa. Ou então, ainda não somos...”

(Luiz Antonio Sacconi, Gafite, nº. 1, Nossa Editora, São Paulo,abril, 1987)





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DA SÉRIE “PARA [SÓ]RIR”


CÓPIA DA CÓPIA MULTIPLICA O ERRO!


“Um jovem noviço chegou ao mosteiro e logo lhe deram a tarefa de ajudar os outros monges a transcrever os antigos cânones e regras da Igreja. Ele se surpreendeu ao ver que os monges faziam o seu trabalho, copiando a partir de cópias e não dos manuscritos originais.

Foi falar com o velho Abade e comentou que, se alguém cometesse um erro na primeira cópia, esse erro se propagaria em todas as cópias posteriores. O Abade lhe respondeu que sempre fizeram assim, há séculos copiavam da cópia anterior, na verdade desde o início da Igreja, para poupar os originais. Mas admitiu que achava interessante a observação do noviço.

Na manhã seguinte, o Abade desceu até às profundezas do porão do mosteiro, onde eram conservados os manuscritos e pergaminhos originais, intactos e com a poeira de muitos séculos...

Pois passou-se a manhã, a tarde e a noite, e ninguém mais vira o Abade. O último que o vira informou que ele estava indo em direção ao porão.

Preocupados, o jovem noviço e mais alguns monges decidiram procurá-lo. Nos labirintos do mais profundo e frio compartimento do porão, encontraram o velho Abade completamente descontrolado, tresloucado, olhos esbugalhados, espumando e com as vestes rasgadas, batendo com a cabeça já ensanguentada nos veneráveis muros do mosteiro.

Apavorado, o monge mais velho da turma de busca perguntou:
- Mas, Abade, pelo amor de Deus, o que aconteceu?
 - IMBECIL! IMBECIL! IMBECIL o primeiro copista!!! Desgraçado, que arda no Inferno! CARIDADE!!!!! ...
Eram votos de CARIDADE que tínhamos que fazer... e não de CASTIDADE!!!...”

(retirado do face book/autor desconhecido)



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CONFRARIA DO [meu] POEMA-pn




Findo o ato
completador
tentamos dormir
[ex]tenuados
fingimos sonhar.

E te deixas
sonambular
e procuras teu sono
escasso,
rarefeito.

Tocando teu corpo
sentindo teu cheiro
tentando adentrar-te
pensamentos
sentidos
que és,
te olho, te penso, te grito
e volto a esconder-me
na noite
de mim mesmo.


(Tu [o não eu], Pinheiro Neto, A rosa do verso, p. 25,1988)